Nas últimas semanas, uma polêmica colocou em evidência o papel da imprensa, os limites da atuação do Judiciário e a complexa situação do ex-presidente Jair Bolsonaro. Os editoriais de dois dos maiores jornais do país, O Estado de S. Paulo e O Globo, trouxeram críticas diretas ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, por decisões relacionadas às restrições impostas a Bolsonaro — especialmente no que diz respeito ao direito de conceder entrevistas e à repercussão pública de suas declarações.
Oficialmente, Bolsonaro não está proibido de dar entrevistas ou fazer discursos. No entanto, ele segue cumprindo medidas cautelares determinadas pelo STF, como o uso de tornozeleira eletrônica, o recolhimento noturno, a proibição de contato com outros investigados e, sobretudo, o veto ao uso de redes sociais — inclusive por meio de terceiros. Moraes alertou que qualquer tentativa de burlar essas restrições, como retransmitir entrevistas de forma coordenada nas redes, poderá ser interpretada como descumprimento da ordem judicial e ensejar até prisão preventiva.
A decisão abriu espaço para interpretações distintas e gerou forte reação de parte da imprensa. O Estadão considerou as medidas uma forma de “censura prévia” e lembrou que Lula, quando preso em 2019, foi autorizado a dar entrevistas à imprensa. Segundo o jornal, a atitude de Moraes acaba reforçando o “vitimismo bolsonarista” e gera a percepção de que o STF age politicamente. Já O Globo, embora reconheça os riscos da atuação de Bolsonaro e sua tendência à manipulação da opinião pública, considerou “extravagante” a limitação imposta à imprensa. Em seu editorial, defendeu que a liberdade de entrevistar e informar é um direito fundamental da sociedade e não deve ser restringido por decisões judiciais que carecem de clareza e proporcionalidade.
As críticas não ficaram restritas ao noticiário. Ex-ministros do STF, como Marco Aurélio Mello, também se manifestaram sobre o que classificam como um período de “excessos” e “extravagâncias” por parte da Corte. Do outro lado, Moraes tem argumentado que suas decisões são baseadas em evidências de que Bolsonaro e seus aliados utilizaram discursos públicos e redes sociais como instrumentos para atacar o regime democrático e articular atos de desinformação e desestabilização institucional.
A zona cinzenta está no meio dessa disputa: Bolsonaro pode, sim, falar — mas o conteúdo não pode ser usado como ferramenta política por meio de redes sociais ou de campanhas coordenadas, como as que vinham sendo investigadas no contexto do inquérito do golpe. O problema é que, em tempos digitais, onde qualquer fala pode se transformar em clipe viral, meme, corte ou campanha instantânea, estabelecer limites claros entre o direito de expressão e o uso estratégico da comunicação é cada vez mais complexo.
A imprensa, nesse cenário, caminha sobre uma linha tênue entre o compromisso com a liberdade e a responsabilidade institucional. É natural — e desejável — que jornais de grande circulação questionem decisões que possam representar riscos à transparência, ao acesso à informação e ao equilíbrio entre os Poderes. Mas também é necessário considerar o contexto: estamos lidando com um ex-presidente investigado por tentativa de golpe de Estado e por promover desinformação de forma sistemática. Ignorar esse histórico seria tão problemático quanto calar diante de possíveis abusos do Judiciário.
A pergunta que surge, então, não é apenas "de que lado está a imprensa?", mas sim: qual é o papel da imprensa neste momento? O compromisso com a democracia exige independência editorial, mas também responsabilidade na análise do cenário institucional. A crítica às instituições deve ser feita de forma consciente, sem deslegitimá-las ou alimentar narrativas de ruptura.
O debate sobre liberdade de expressão, imprensa livre e limites do poder judicial é legítimo — e necessário. Mas deve ser conduzido com rigor, sobriedade e compromisso com o interesse público. Em tempos de radicalização e desinformação, o jornalismo sério continua sendo um dos principais pilares da democracia. E é exatamente por isso que sua atuação exige precisão, responsabilidade e clareza de propósito: não basta informar — é preciso contribuir para o fortalecimento das instituições e do debate público, com ética e coragem.