A pressão para que o Brasil classifique facções criminosas como organizações terroristas não ocorre no vácuo: é parte de uma estratégia internacional que busca abrir espaço para intervenções militares dos Estados Unidos na América Latina. A campanha, impulsionada por setores da extrema-direita nacional e reforçada pela administração Donald Trump, tenta transformar um problema de segurança pública em um problema de “segurança global”, deslocando o eixo de decisão da soberania brasileira para interesses externos.

O risco central é simples e concreto: ao rotular facções como terroristas, o Brasil aciona mecanismos jurídicos internacionais que autorizam operações unilaterais sob a doutrina do unwilling or unable, permitindo que Washington alegue direito de autodefesa se considerar que o país não consegue lidar com o problema. A história recente mostra onde isso leva — Iraque, Afeganistão, Caribe. Em todos os casos, a designação de terrorismo precedeu intervenções, mortes de civis e instabilidade prolongada.

O equívoco jurídico também é evidente. Terrorismo exige motivação política, não econômica. As facções brasileiras têm estruturas violentas, mas orientadas ao lucro. Forçar essa equiparação desorganiza o próprio arcabouço legal do país e cria brechas para litígios internacionais, sanções e cooperação militar assimétrica.

O caminho ideal e realista para o Brasil passa por fortalecer sua própria capacidade estatal: inteligência integrada, cooperação federativa consistente, descapitalização sistemática das facções, proteção institucional contra infiltração criminosa e expansão de tecnologias investigativas. Nenhuma dessas medidas depende — nem se beneficia — da rotulagem como terrorismo.

O país precisa reafirmar soberania, não terceirizar decisões estratégicas a outros governos. O combate ao crime organizado é urgente, mas só será eficaz se guiado pelo interesse nacional, e não por agendas geopolíticas externas.