Pautas como defesa das mulheres, inclusão das pessoas com deficiência e combate ao racismo nasceram da luta por dignidade e igualdade. São bandeiras que, em sua essência, expressam a busca por justiça social e respeito à diversidade. No entanto, em muitas democracias contemporâneas, inclusive no Brasil, essas causas passaram a ser apropriadas estrategicamente por atores políticos que as utilizam não como compromisso real, mas como ferramentas para mobilização eleitoral e ataque a adversários.

Essa prática é conhecida como instrumentalização política. Funciona como um espelho distorcido: valores universais são defendidos no discurso, mas manipulados no uso prático. É como alguém segurar uma placa com a palavra “respeito”, enquanto a utiliza para golpear o oponente.

A apropriação dessas pautas ocorre por diferentes mecanismos. O mais comum é a criação de slogans e palavras de forte apelo emocional — como “defesa da mulher”, “inclusão”, “respeito às minorias” — usados em campanhas eleitorais para gerar identificação imediata com o público. Porém, muitas vezes, os compromissos concretos não existem, e o verdadeiro objetivo é apenas conquistar votos e desqualificar opositores que são acusados de não respeitar tais bandeiras.

As redes sociais amplificam esse fenômeno. Perfis falsos, robôs e campanhas coordenadas espalham narrativas que associam adversários a preconceito ou indiferença social, criando um ambiente de hostilidade. Nesse contexto, causas legítimas viram munição retórica, e o debate perde espaço para slogans agressivos.

O resultado é a polarização identitária. Mulheres, negros, pessoas com deficiência e outros grupos passam a ser vistos não como cidadãos com direitos, mas como territórios de disputa política. Essa lógica desumaniza os próprios sujeitos da pauta, transformando sua luta em palco de interesses eleitorais.

As consequências para a democracia são graves. Quando essas causas são usadas apenas como armas, corre-se o risco de banalizar a luta histórica por direitos. O respeito deixa de ser valor universal para se tornar marcador de pertencimento partidário. E, nesse processo, o objetivo final — garantir igualdade e dignidade — fica em segundo plano.

A Justiça Eleitoral brasileira já atua para coibir o uso abusivo dessas narrativas, principalmente quando associadas à desinformação e ataques pessoais. Casos de difamação e discurso de ódio envolvendo gênero, raça e deficiência têm resultado em responsabilização civil e criminal. Além disso, cresce a pressão para que plataformas digitais coíbam campanhas que se valem de causas sociais para espalhar fake news.

Mas o combate a esse fenômeno não depende apenas das instituições. Exige também uma educação cívica capaz de fortalecer o olhar crítico da sociedade. Reconhecer quando uma pauta está sendo usada de forma legítima ou apenas como instrumento de ataque é passo fundamental para recuperar o valor real dessas causas.

A história ensina que avanços sociais só são duradouros quando construídos sobre compromissos genuínos. Proteger as lutas por igualdade de sua transformação em armas eleitorais é, portanto, proteger a própria democracia.