Em setembro de 2025, o Supremo Tribunal Federal foi palco de um episódio que surpreendeu o meio jurídico e político do país. O ministro Luiz Fux, conhecido por sua trajetória punitivista, proferiu um voto de 13 horas absolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros cinco réus acusados de participação na trama golpista que tentou impedir a posse de um presidente democraticamente eleito.

O voto de Fux não chamou atenção apenas pelo seu tamanho, mas principalmente pelas incoerências com sua própria atuação anterior no STF. Ao longo da carreira, o ministro foi um defensor ferrenho da punição rigorosa contra crimes de corrupção e de ataque ao Estado Democrático de Direito. No Mensalão, afirmou que “cada ato de corrupção é um colégio que fica sem merenda para as crianças”. Na Lava Jato, se posicionou contra a anulação das condenações de Lula por questões processuais. Em 2025, chegou a dizer que “tudo que se volta contra o Estado Democrático de Direito é absolutamente repugnante e inaceitável”.

No entanto, ao analisar o caso da trama golpista, Fux passou a adotar um discurso garantista. Alegou que houve “cerceamento de defesa” diante dos 70 terabytes de provas disponibilizadas às defesas – o mesmo argumento que já havia rejeitado meses antes, quando a denúncia foi recebida. Questionou ainda a competência do STF para julgar o caso, apesar de nunca ter levantado essa tese em centenas de processos contra réus do 8 de janeiro.

A seletividade em seus argumentos ficou evidente quando citou como precedente a anulação das condenações de Lula – decisão que ele próprio havia combatido em 2021. Também causou perplexidade o fato de condenar o tenente-coronel Mauro Cid por tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, mas absolver Bolsonaro do mesmo crime, mesmo sendo este o chefe de quem Cid recebia ordens.

Para juristas, as contradições revelam uma mudança brusca de perfil: de um juiz severo, que defendia punições exemplares, para um garantista que relativiza provas e questiona competências em um dos julgamentos mais relevantes da história recente. Colegas do STF avaliaram que o voto expôs a Corte a ataques e sanções externas, além de dar combustível à extrema direita.

O episódio marca um ponto de inflexão na imagem de Fux: de defensor da punição rigorosa, passou a ser visto como alguém que relativizou um atentado contra a democracia. Sua guinada, restrita a este caso, permanece como uma das maiores contradições na história recente do Supremo Tribunal Federal.