Imagine um guarda-roupa abarrotado de roupas: peças antigas, novas, repetidas, algumas nunca usadas, outras já fora de moda, mas todas ainda ocupando espaço. Assim funciona o sistema legislativo brasileiro, um verdadeiro “armário sem fim” de leis. Desde a promulgação da Constituição de 1988, o país editou mais de 7,48 milhões de normas — uma média de 845 novas regras por dia útil.
Esse volume excessivo de normas cria o fenômeno da “colcha de retalhos legislativa”: leis sobrepostas, contraditórias e muitas vezes inaplicáveis. O resultado é uma burocracia que encarece a vida das empresas, gera insegurança jurídica e contribui para a sobrecarga do Judiciário, que acumula hoje 80 milhões de processos em tramitação.
A instabilidade também é alarmante: apenas 4,13% das normas permanecem intactas desde sua edição. A própria Constituição Federal já foi alterada 125 vezes por emendas, transformando-se em um mosaico de ajustes. O sistema tributário é o exemplo mais gritante: são mais de 492 mil normas tributárias, obrigando empresários brasileiros a gastar 1.501 horas por ano para cumprir obrigações fiscais — dez vezes mais que a média da OCDE.
As causas desse caos vão da lógica política imediatista, que aprova leis sem análise de impacto, até a ausência de cultura de simplificação. Em muitos casos, cria-se a ilusão de que “as leis são boas, apenas não são aplicadas”. Mas, se todas fossem cumpridas ao pé da letra, o país simplesmente pararia.
Diante desse quadro, especialistas propõem soluções práticas. Entre elas, a Análise de Impacto Regulatório obrigatória para todo projeto de lei, a criação de um Programa Nacional de Consolidação Normativa, o uso de inteligência artificial para mapear redundâncias, a definição de prazos de validade para normas infralegais e a implementação de um Observatório de Eficácia Legislativa.
O impacto esperado é expressivo: redução de 70% no volume normativo, economia de até R$ 150 bilhões anuais em custos de conformidade, além de maior previsibilidade para investidores. O desafio é cultural e político: trocar quantidade por qualidade, complexidade por clareza.
Assim como um armário que precisa de organização periódica, a legislação brasileira clama por revisão e simplificação. Se adotadas, as medidas propostas podem transformar a colcha de retalhos em um tecido único, funcional e coerente, alinhado às demandas de uma sociedade moderna.
