A Polícia Federal apresentou um relatório de 170 páginas que revelou os bastidores de uma série de conversas entre Jair Bolsonaro, seu filho Eduardo Bolsonaro e o pastor Silas Malafaia. O documento é parte de uma investigação sobre obstrução de justiça, coação a autoridades e tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
Indiciamentos e acusações
A PF indiciou Jair e Eduardo Bolsonaro pelos crimes de coação no curso do processo, obstrução de investigação de infração penal envolvendo organização criminosa e tentativa de abolir, de forma violenta, o Estado Democrático de Direito. Silas Malafaia foi incluído como auxiliar material desses delitos. Embora não tenha sido formalmente indiciado, teve o celular apreendido, passou a ser alvo de medidas cautelares e viu sua rotina política e pessoal ser restringida.
Conversas revelam estratégia coordenada
As mensagens recuperadas do celular de Jair Bolsonaro, apreendido em operação, mostram que pai e filho, com apoio de Malafaia, planejavam pressionar o Supremo Tribunal Federal. O período analisado — entre 13 de junho e 18 de julho de 2025 — coincidiu com a crise do “tarifaço” de 50% imposto por Donald Trump sobre produtos brasileiros.
O pastor surge como peça-chave: sugeria horários estratégicos para postagens contra o STF, estimulava Bolsonaro a desobedecer decisões judiciais e defendia abertamente o aumento da pressão sobre ministros. Em uma das mensagens mais explícitas, escreveu: “Tem que pressionar o STF dizendo que se houver uma anistia ampla e total, a tarifa vai ser suspensa. A questão da tarifa é justiça e liberdade, não econômica”.
Tensões e ataques pessoais
O relatório também trouxe à tona as tensões internas no núcleo bolsonarista. Eduardo Bolsonaro atacou duramente o pai, chamando-o de “ingrato do caralho” ao considerar que Jair não reagia de forma firme às medidas dos EUA. Já Malafaia desferiu críticas contra Eduardo, chamando-o de “babaca” e “inexperiente”. Apesar disso, afirmou que não exporia publicamente o deputado “em consideração a Bolsonaro”.
Conexões internacionais
A investigação revelou contatos diretos entre Bolsonaro e Martin de Luca, advogado ligado à Trump Media e à plataforma Rumble. De Luca atuava em processos contra o ministro Alexandre de Moraes nos EUA e, segundo a PF, trocava informações e até redigia textos para Bolsonaro publicar nas redes sociais.
Outro dado relevante foi a descoberta de uma minuta de pedido de asilo político ao presidente argentino Javier Milei, salva no celular de Bolsonaro desde fevereiro de 2024. O documento, de 33 páginas, alegava perseguição política e trazia até erros de grafia no nome do presidente argentino, escrito como “Miliei”. Para os investigadores, a existência desse arquivo comprova intenção de fuga.
Descumprimento de medidas judiciais
O relatório documentou ainda que Jair Bolsonaro descumpriu medidas cautelares impostas pelo STF, como continuar usando WhatsApp, manter contato com investigados e delegar postagens a terceiros. Walter Braga Netto também violou restrições ao retomar contato com o ex-presidente apenas um dia após ser proibido, utilizando um novo número de celular.
A PF conseguiu recuperar 11 áudios apagados do aparelho de Bolsonaro. Em um deles, Malafaia orientava: “Agora, presidente, é boa. Dá parabéns ao Flávio, porra. Falou certo, cacete”.
Medidas contra Malafaia
Em resposta às descobertas, o ministro Alexandre de Moraes determinou restrições a Silas Malafaia: cancelamento do passaporte, proibição de viagens internacionais, quebra de sigilos bancário, fiscal e telefônico, além da proibição de manter contato com Jair e Eduardo Bolsonaro.
Próximos passos
O relatório foi encaminhado à Procuradoria-Geral da República (PGR), que decidirá se apresenta denúncia formal contra Jair e Eduardo Bolsonaro. Moraes também deu prazo de 48 horas para Bolsonaro explicar as violações às medidas judiciais, a reiteração de condutas ilícitas e o risco de fuga apontado pela PF.
A investigação lança luz sobre a complexa dinâmica do núcleo bolsonarista: de um lado, estratégias articuladas para desafiar o Judiciário e, de outro, desentendimentos pessoais e tensões internas que fragilizavam o grupo. O relatório reforça a gravidade das acusações e marca um dos capítulos mais incisivos da apuração sobre a atuação política e judicial de Jair Bolsonaro e aliados após o fim de seu mandato.
