Maratona de streamings: como o lazer digital virou vazamento bilionário de dólares

 


Entre janeiro e junho de 2025, empresas e consumidores brasileiros enviaram US$ 9,94 bilhões ao exterior para pagar serviços como Netflix, Disney+, Spotify, jogos on-line, nuvem e inteligência artificial — um salto de 24% em relação ao mesmo período de 2024. Esse fluxo recorde, registrado pelo Banco Central, ampliou o déficit da conta de serviços digitais e contribuiu para que as transações correntes do Brasil passassem de um déficit de 1,1% do PIB (maio/24) para 3,4% (junho/25), o maior em uma década.

O país é hoje o 11.º maior mercado de serviços digitais do mundo, segundo a PwC, movimentando US$ 39,4 bilhões (R$ 215 bi) apenas em 2025 — o equivalente a 36% de toda a receita do setor na América Latina. Só no universo do streaming, 32,7 milhões de lares mantinham ao menos uma assinatura em 2024, gerando faturamento anual estimado de R$ 70 bilhões.

O problema é que a maior parte dessas plataformas mantém sede fora do Brasil e remete lucros e royalties ao país de origem. O peso não vem apenas do entretenimento: grandes empresas brasileiras passaram a contratar pacotes corporativos de nuvem e IA generativa (AWS, Azure, Google Cloud, OpenAI), elevando ainda mais o volume de remessas.

Esse consumo intenso é alimentado por catálogos multimilionários — só a Netflix investirá US$ 18 bilhões em conteúdo em 2025 —, planos mais acessíveis ou com anúncios, pacotes combo, cobrança automática via Pix e a popularização de serviços como Game Pass e Apple One, que aumentam o tíquete médio para R$ 118/mês por usuário, somando cerca de 3,8 assinaturas simultâneas. A chegada do 5G, com maior velocidade para vídeos em 4K e uso de nuvem móvel, reforçou a tendência.

Do ponto de vista macroeconômico, o cenário preocupa: enquanto as remessas crescem, o Investimento Direto no País (IDP) recuou de US$ 79 bilhões (jan/24) para projeção de US$ 70 bilhões (jun/25). Com tarifas adicionais de 50% impostas pelos EUA sobre produtos brasileiros, atrair novas divisas tornou-se ainda mais difícil. Quando o dinheiro que sai supera o que entra, o país precisa financiar o desequilíbrio com reservas internacionais ou capital de curto prazo, tornando o câmbio mais vulnerável a crises.

O debate regulatório avança, mas sem consenso. Propostas como a Condecine-Remessa (taxa de 2%–3% sobre valores enviados ao exterior), o PL 2.331/22 (cobrança anual de até 3% sobre receita bruta de vídeo sob demanda) ou a elevação da alíquota para 6% com cotas de conteúdo nacional buscam gerar arrecadação e fomentar a produção local. Já o Ministério da Fazenda avalia tributar data centers estrangeiros via PIS/Cofins. No plano internacional, o Brasil pressiona no G20 para que exportações digitais sejam registradas no país de origem — mas a medida depende de consenso global.

Especialistas apontam que a solução real passa por criar valor digital dentro do país: ampliar estúdios e data centers, investir em clusters de software e IA nacionais e incentivar o consumo de conteúdo local. Para o consumidor, a orientação é simples: avaliar a necessidade de múltiplas assinaturas, considerar planos com anúncios e acompanhar de perto seus gastos.

Sem esse reequilíbrio, a maratona de séries e games continuará garantindo diversão no curto prazo — e um vazamento de dólares cada vez maior no longo prazo.