O futebol mundial já vive sob regras rígidas de controle financeiro há mais de uma década. Na Europa, a UEFA instituiu em 2011 o Fair Play Financeiro (FFP) para impedir que clubes gastem mais do que arrecadam e prevenir colapsos financeiros. Espanha, Inglaterra, França e até a MLS nos EUA adaptaram o modelo com tetos salariais, limites de elenco e sanções severas.
O Brasil, porém, segue sem um sistema efetivo. A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) promete implementar em 2026 o Sistema de Sustentabilidade Financeira (SSF), inspirado no FFP, com adoção gradual para evitar “quebradeira” imediata. A medida chega em um momento crítico: os 20 principais clubes do país acumulam R$ 12 a 14 bilhões em dívidas — cenário mais grave que o de equipes estrangeiras que já faliram com passivos bem menores.
Como funciona o Fair Play Financeiro
O conceito central é simples: gastar menos do que se arrecada. Mas na prática, envolve um conjunto de regras como:
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Limite de 60% a 70% da receita para gastos com elenco e comissão técnica
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Elencos reduzidos (ex.: 25 jogadores)
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Obrigatoriedade de pagamentos em dia
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Transparência e auditoria das contas
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Punições graduais: de multas e restrições de contratações até perda de pontos ou exclusão de competições
Na UEFA, a regra atual restringe a folha salarial a 70% da receita e prevê multas de €5 a €65 milhões e exclusão de torneios. Na La Liga, a limitação é personalizada por clube e impede contratações se o teto for excedido. A Premier League adota a Profitability and Sustainability Rule (PSR), que limita o prejuízo acumulado a £105 milhões em 3 anos — e já tirou pontos de Everton e Nottingham Forest.
Casos emblemáticos de punições
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PSG (França): multa de até €65 milhões
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Juventus (Itália): excluída da Conference League 2023/24
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Barcelona (Espanha): teto salarial reduzido drasticamente, dificuldade de registrar jogadores
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Everton (Inglaterra): -10 pontos por violar o PSR
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Parma (Itália) e Napoli (Itália): falência e recomeço em divisões inferiores
O abismo brasileiro
Entre os clubes nacionais, alguns operam muito acima da capacidade de pagamento. O Corinthians, por exemplo, acumula entre R$ 1,9 e R$ 2,3 bilhões em dívidas e teria que cortar cerca de 60% da folha para cumprir um FFP imediato. Cruzeiro, Vasco e Atlético-MG só não sentiriam impacto ainda maior porque já operam como SAFs (Sociedades Anônimas do Futebol) e recebem aportes de investidores.
A gravidade se evidencia ao comparar: o Brescia (Itália) fechou as portas com dívida equivalente a R$ 19 milhões — valor menor que a dívida atual de 17 clubes da Série A.
Possíveis impactos no Brasil a partir de 2026
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Redução drástica de salários
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Vendas forçadas de jogadores para equilibrar caixa
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Impossibilidade de grandes contratações
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Risco de rebaixamento por enfraquecimento do elenco
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Melhora da saúde financeira no médio prazo para quem se adaptar
Desafios e resistências
A maior oposição virá dos clubes mais ricos, que temem perder competitividade internacional, de agentes que verão redução de comissões e de dirigentes resistentes à profissionalização. Mas a experiência internacional mostra que, quando aplicado com fiscalização real, o FFP gera efeito: na Espanha, a La Liga obrigou o Barcelona a cortar gastos; na Inglaterra, os pontos perdidos por Everton e Forest mudaram o comportamento de outros clubes.
O que está em jogo
O SSF da CBF prevê uma transição com diálogo e foco na transparência, mas a mudança exigirá cultura de gestão profissional e planejamento sustentável. Quem se adequar primeiro terá vantagem competitiva; quem insistir no modelo de gastos descontrolados pode acabar no caminho de Parma, Racing e Fiorentina — que conheceram o fundo do poço por falta de responsabilidade financeira.