Prefeituras de diversas regiões do Brasil têm recorrido, de forma crescente, à terceirização como estratégia para contornar os limites legais de contratações temporárias no serviço público. A prática, embora revestida de legalidade formal, tem sido criticada por especialistas e órgãos de controle como uma forma de burlar os dispositivos da Constituição Federal, da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e da legislação trabalhista, colocando em risco a qualidade dos serviços públicos, os direitos dos trabalhadores e a transparência na gestão dos recursos públicos.
Na prática, muitas administrações municipais contratam empresas terceirizadas para exercer funções que deveriam ser desempenhadas por servidores efetivos ou temporários contratados conforme as exigências legais. Embora a terceirização de atividades-meio — como limpeza, vigilância ou manutenção — seja permitida, diversos municípios extrapolam essa previsão e contratam empresas para atividades-fim, como serviços administrativos, atendimento em saúde ou educação. Os trabalhadores terceirizados, muitas vezes, atuam lado a lado com servidores públicos, executando as mesmas funções, porém sem os mesmos direitos, garantias e estabilidade.
Um dos principais motivos para essa manobra é o limite imposto pela LRF, que estabelece que os gastos com pessoal ativo e inativo não podem ultrapassar 60% da receita corrente líquida do município. Ao terceirizar, os gastos com pessoal deixam de ser contabilizados nesse limite, pois passam a ser classificados como "despesas de custeio" com empresas contratadas. A prática cria uma falsa aparência de equilíbrio fiscal, ao mesmo tempo em que amplia a dependência da máquina pública em contratos de natureza precária e de baixa transparência.
Além disso, muitos desses contratos são sucessivamente renovados, mantendo trabalhadores em funções públicas por longos períodos sem a realização de concursos, o que descaracteriza a temporariedade permitida por lei. Isso representa uma afronta ao princípio do concurso público, previsto no artigo 37 da Constituição, e pode resultar em ações judiciais que tragam passivos trabalhistas e administrativos para as prefeituras.
Os impactos dessa terceirização disfarçada são diversos. Do ponto de vista do serviço prestado à população, a rotatividade e a instabilidade dos terceirizados comprometem a continuidade e a qualidade das políticas públicas, especialmente nas áreas mais sensíveis, como saúde, educação e assistência social. Para os trabalhadores, a precarização das condições de trabalho é evidente: salários mais baixos, ausência de plano de carreira, menor proteção contra demissões arbitrárias e poucos mecanismos de valorização profissional.
Do ponto de vista institucional, a terceirização irregular dificulta a fiscalização e o controle dos serviços públicos. A administração pública tem menos instrumentos para supervisionar diretamente os trabalhadores terceirizados, o que compromete a eficiência e a responsabilidade na execução das políticas. A ausência de transparência nos contratos, aliada à falta de divulgação de relatórios de desempenho, fragiliza o controle social e impede que a população conheça com clareza como e com quem está sendo gasto o dinheiro público.
A controvérsia é tamanha que chegou ao Congresso Nacional. Em 2024, tramitou o Projeto de Lei Complementar 141/2024, que propunha retirar os gastos com terceirizações do cômputo do limite de despesa com pessoal. A proposta gerou intensa reação entre parlamentares, órgãos de controle e especialistas em finanças públicas, sendo retirada de pauta após pressão contrária. O receio é de que tal medida institucionalize uma prática que já desafia os princípios da administração pública, como impessoalidade, moralidade e eficiência.
Apesar das ilegalidades e dos riscos já apontados por tribunais de contas e pelo Ministério Público, ainda são raros os casos em que prefeituras sofrem sanções efetivas. A fiscalização fragmentada, a carência de auditorias específicas e a falta de acesso a informações claras dificultam o acompanhamento. No entanto, há precedentes importantes: o Tribunal de Contas dos Municípios da Bahia multou a prefeitura de Feira de Santana em mais de R$ 90 milhões por contratações irregulares via empresas terceirizadas, configurando desvio de finalidade e burla ao concurso público.
Diante desse cenário, especialistas apontam caminhos para mitigar os riscos. A primeira medida é o fortalecimento dos mecanismos de fiscalização e responsabilização, com atuação coordenada entre tribunais de contas, Ministério Público, controladorias e sociedade civil. Também é fundamental que a terceirização seja limitada às atividades-meio, com critérios claros e compatíveis com o interesse público. Outra medida essencial é a realização de concursos públicos periódicos e de contratações temporárias dentro dos marcos legais, como forma de garantir estabilidade, qualificação e respeito aos direitos dos trabalhadores.
Em última instância, a terceirização mascarada representa um grave sintoma de um modelo de gestão que busca soluções imediatistas para problemas estruturais, mas que compromete a sustentabilidade do serviço público e a confiança da sociedade nas instituições. Combater essa prática exige responsabilidade fiscal, compromisso ético e transparência, sem abrir mão dos princípios que regem a administração pública e da valorização do servidor.